O que temos chamado de
feridos de guerra na igreja hoje são feridos de guerra? Nós vivemos numa
cultura de vitimização por causa da psicologização secular da vida, o que torna
muito fácil nós escorregarmos para a auto-piedade. “Feridos de guerra” é uma
expressão que se tornou comum na igreja de nossos dias, mas confunde mais do
que explica. Que “guerra” seria essa? A guerra pela glória de Deus? A guerra
contra o Pecado? A guerra pela Verdade? O bom combate da Fé?
O apóstolo Paulo em
seus grandes sofrimentos por causa da glória de Deus, do valor infinito de
Cristo... preso, espancado, abandonado, apedrejado, martirizado... Essa é um
ferido de guerra! Somos chamados a isso: “Sofre
pois comigo, as aflições, como bom soldado de Jesus Cristo” – 2 Timóteo 2.3.
Este é uma homem cheio
de cicatrizes de batalha: “em trabalhos,
muito mais; em açoites, mais do que eles; em prisões, muito mais; em perigo de
morte, muitas vezes. Recebi dos judeus cinco quarentenas de açoites menos um. Três
vezes fui açoitado com varas, uma vez fui apedrejado, três vezes sofri
naufrágio, uma noite e um dia passei no abismo; Em viagens muitas vezes, em
perigos de rios, em perigos de salteadores, em perigos dos da minha nação, em
perigos dos gentios, em perigos na cidade, em perigos no deserto, em perigos no
mar, em perigos entre os falsos irmãos; Em trabalhos e fadiga, em vigílias
muitas vezes, em fome e sede, em jejum muitas vezes, em frio e nudez. Além das
coisas exteriores, me oprime cada dia o cuidado de todas as igrejas.” - 2 Coríntios 11:23-28 – Pregar a
verdade, amar a Cristo, desejar ardentemente Cristo todos os dias lhe custou
tudo: “E, na verdade, tenho também por
perda todas as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu
Senhor; pelo qual sofri a perda de todas estas coisas, e as considero como
escória, para que possa ganhar a Cristo” - Filipenses
3:8 – Essas são cicatrizes que jamais levam a vitimização e a auto-piedade.
Não levam a amargura, não levam a inutilidade para Deus, não levam ao cinismo
para com o chamado de ser parte do corpo de Cristo.
São as marcas que o soldado
traz em sua carne. São marcas de honra e não de auto-piedade: “Desde agora ninguém me inquiete, porque
trago no meu corpo as marcas do Senhor Jesus” – Gálatas 6.17. Ferimentos de guerra. Eles não fazem o homem mais
fraco, vitimizado, sentindo pena de si mesmo. Ele fortalece o coração para a
peleja. Ele não paralisa o homem, não os ferimentos das guerras do Senhor: “Não que já tenha alcançado... mas prossigo
para alcançar aquilo para o que fui também preso por Jesus Cristo” – Filipenses 3.12 – Ferido de guerra!
Preso por Cristo! Eis a força inabalável que os verdadeiros feridos nas guerras
do Senhor experimentam.
Grande parte da dor
experimentada pelo apóstolo Paulo veio de dentro da igreja: “em perigos dos gentios... em perigos entre
os falsos irmãos... Além das coisas exteriores, me oprime cada dia o cuidado de
todas as igrejas.” - 2 Coríntios
11:23-28 – Em Corinto disseram que sua presença era desprezível. Muitos se alegravam com
suas cadeias. Ele diz que alguns pregavam com a intenção de aumentar seus
sofrimentos enquanto ele estava na cadeia:
“Sua presença de corpo é fraca, e a palavra desprezível” – 2 Coríntios 10.10 – Os super-apóstolos
o atacaram em Corinto, na igreja dos gálatas e em muitas outras igrejas.
Ferimentos de guerra são esses. Eles não geram vitimização, auto-piedade tão
comuns em nossa sociedade... Eles deixam o soldado forte para a batalha.
Acusaram Paulo por causa de suas enfermidades? A resposta dele não era auto-piedade, mas “de boa vontade, pois, me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em
mim habite o poder de Cristo” – Acusavam Paulo por suas cadeias? A resposta
dele não era vitimização, auto-piedade, autocomiseração... Era: “Por isso sinto
prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas
angústias por amor a Cristo. Porque quando estou fraco então sou forte” – 2 Coríntios 9.10.
Essa é a guerra! A
guerra pela Verdade, pela glória de Deus... é o bom combate que levou esse
soldado ao martírio: “Porque eu já estou
sendo oferecido por aspersão de sacrifício, e o tempo da minha partida está
próximo. Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé.” - 2 Timóteo 4:6-7 – Ele chama de o Bom Combate...
não há auto-piedade, vitimização...
Tudo isso trazia alegria: “E quero,
irmãos, que saibais que as coisas que me aconteceram contribuíram para maior
proveito do evangelho; De maneira que as minhas prisões em Cristo foram
manifestas por toda a guarda pretoriana, e por todos os demais lugares; E
muitos dos irmãos no Senhor, tomando ânimo com as minhas prisões, ousam falar a
palavra mais confiadamente, sem temor. Verdade é que também alguns pregam a
Cristo por inveja e porfia, mas outros de boa vontade; Uns, na verdade,
anunciam a Cristo por contenção, não puramente, julgando acrescentar aflição às
minhas prisões. Mas outros, por amor, sabendo que fui posto para defesa do
evangelho. Mas que importa? Contanto que Cristo seja anunciado de toda a
maneira, ou com fingimento ou em verdade, nisto me regozijo, e me regozijarei
ainda.” - Filipenses 1:12-18
Agora, Paulo nunca chamou o pecado de feridas de
guerra. Eis o nosso grande problema hoje. O adultério de Davi, por exemplo, não
faz dele um ferido de guerra – isso é rebelião contra Deus e não ferida de
estar lutando pela glória de Deus. Isso é ter lutado contra a glória de Deus.
Pecado e suas
consequências não são ferimentos de guerra pela glória de Deus, pela Verdade de
Deus... Pecado não pode ser ferimento de
guerra contra o pecado. A última coisa que precisamos ao pecar e um senso de vitimização, de auto-piedade...
O que Davi precisava era de um profundo arrependimento, tristeza, contrição... sem auto-justificações,
sem auto-piedade... sem exigir que sentissem pena dele... ele
precisava da confrontação de Natã.
Ele não podia agir e exigir tratamento de ferido de guerra pela verdade, pela
glória de Deus... pois foi exatamente a glória de Deus que foi atingida,
exposta e desprezada por seu pecado. O nome de Deus não foi santificado em sua
vida.
Davi não tentou escapar
da verdade acusando Natã de falta de
amor, de não
saber cuidar dos feridos de guerra... Natã disse: “Porque, pois, desprezaste a palavra do
Senhor, fazendo o que é desprezível diante de Seus olhos?” – 2 Samuel 12.9. Não, Davi aqui não é um
ferido da guerra que fomos chamados para lutar, guerra pela glória de Deus. O
que ele precisa não é de vitimização,
auto-piedade... ele precisa de arrependimento, precisa ver quão vil foi sua
atitude – e foi o que ele fez!
Natã disse: “Tu é este homem Davi!... Agora... porque tu
fizeste em oculto, mas eu farei este negócio perante todo o Israel e perente o
sol” – (v. 7,12). A resposta de
Davi não é de auto-piedade, não é de um homem que acha que não está sendo
tratado como um ferido de guerra, a resposta é: “Pequei contra o Senhor!” (v.
13).
Sem vitimização Davi é
um exemplo de verdadeiro arrependimento. Ele sabe que desonrou o Nome de Deus,
não há razão para sentir pena de si mesmo, nem exigir nada. Então ele ora: “Tem misericórdia de mim, ó Deus, segundo a
tua benignidade; apaga as minhas transgressões, segundo a multidão das tuas
misericórdias. Lava-me completamente da minha iniqüidade, e purifica-me do meu
pecado. Porque eu conheço as minhas transgressões, e o meu pecado está sempre
diante de mim. Contra ti, contra ti somente pequei, e fiz o que é mal à tua
vista, para que sejas justificado quando falares, e puro quando julgares.Eis
que em iniqüidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe. Eis que amas
a verdade no íntimo, e no oculto me fazes conhecer a sabedoria. Purifica-me com
hissope, e ficarei puro; lava-me, e ficarei mais branco do que a neve. Faze-me
ouvir júbilo e alegria, para que gozem os ossos que tu quebraste. Esconde a tua
face dos meus pecados, e apaga todas as minhas iniqüidades. Cria em mim, ó
Deus, um coração puro, e renova em mim um espírito reto. Não me lances fora da
tua presença, e não retires de mim o teu Espírito Santo. Torna a dar-me a
alegria da tua salvação, e sustém-me com um espírito voluntário.” - Salmos 51:1-12 – Ele não era um ferido de guerra aqui,
ele tinha sido um rebelde contra Deus,
ele tinha jogado no time do inimigo! Do reconhecimento disso brota esse grande
hino de arrependimento, e ele aceita as consequências em sua casa de sua
rebelião.
Se Davi se visse como
um “ferido de guerra” – e sentisse
auto-piedade por causa de seu pecado, ele não teria entendido nada. Pecado é rebelião e não ferimento de guerra
pela glória de Deus no mundo.
Agora lembre-se, mesmo os ferimentos de guerra,
como os que Paulo sofreu de dentro da
própria igreja, não produziram em Paulo auto-piedade, amargura, revolta,
inutilidade... pelo contrário. Produziram amadurecimento, gozo...
porque eram cicatrizes que mostravam o valor infinito da Verdade, o valor
infinito de Cristo. Agora em nossos dias, exatamente o pecado – que devia gerar
arrependimento, tristeza, contrição, mudança, mortificação... tem gerado
cobrança aos outros e auto-piedade no coração. Sem arrependimento verdadeiro
cobramos, cobramos... e colocamos a culpa em ou nos “Natãs”.
Lembre-se que mesmo
quando você é ferido (dentro ou fora da igreja – como Paulo) por
causa da Verdade e da Glória de Deus, se esse ferimento, se esse sofrimento se
tornar amargura, cinismo, auto-piedade,
revolta, justificativa para a inutilidade... o ferimento gangrenou,
virou pecado – arrependa-se!
O combate é contra o
pecado e pela Glória de Deus, pela Verdade, pelo valor infinito de Cristo. E
nesse combate, devemos ir até o sangue: “Ainda
não resististes até ao sangue, combatendo contra o pecado” – Hebreus 12.4.
Os verdadeiros feridos nas
guerras do Senhor são renovados a cada dia: “Por
isso não desfalecemos; mas, ainda que o nosso homem exterior se corrompa, o
interior, contudo, se renova de dia em dia. Porque a nossa leve e momentânea
tribulação produz para nós um peso eterno de glória mui excelente; Não
atentando nós nas coisas que se vêem, mas nas que se não vêem; porque as que se
vêem são temporais, e as que se não vêem são eternas.” - 2 Coríntios 4:16-18 – e chegam gloriosamente
ao fim do combate: “Combati o bom
combate, acabei a carreira, guardei a fé. Desde agora, a coroa da justiça me
está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia; e não somente
a mim, mas também a todos os que amarem a sua vinda.” - 2 Timóteo 4:7-8