A descrição que Paulo
faz de si mesmo como "contristado, mas sempre alegre" pode soar tão
paradoxal quanto inacreditável. Demonstravelmente, porém, era uma verdade
solene. Como demonstração, basta examinarmos sua carta aos crentes de Filipos.
Filipenses, em comparação, digamos a Gálatas, ou Romanos, ou 1 Coríntios, é uma
carta descontraída e informal. Paulo a escreveu aos seus convertidos, que eram
também seus amigos, não para esabelecer algum assunto importante de fé e
prática, mas para agradecê-los por um presente, contar-lhes como estava
passando, encorajá-los no Senhor e anunciar-lhes a iminente visita de Timóteo.
Você e eu, escrevendo
aos nossos amigos, participaríamos, provavelmente, mais os nossos problemas que
as nossas alegrias. A carta de Paulo, porém, irradiava alegria do começo ao
fim. Isto é digno de nota, uma vez que estava escrevendo de uma prisão romana,
provavelmente algemado a um guarda dia e noite, e com uma pena de morte
pendendo sobre a sua cabeça!
Alegria e regozijo são
as palavras-chave de Filipenses. Paulo convoca os convertidos à alegria (4.1);
ora por eles com alegria (1.4); regozija-se de sua generosidade para com ele,
vendo-a como favorável ao bem-estar espiritual deles próprios (4.10,17); pede-lhes
que pratiquem a unidade, a fim de completar a sua alegria (2.2); regozija-se
por Cristo estar sendo pregado, embora, às vezes, por falsos motivos (1.18); encontra
alegria mesmo na possibilidade de seu próprio martírio, e diz aos amigos que,
se isto ocorrer, eles devem alegrar-se também (2.17ss), embora espere ser
solto, "para proveito vosso e gozo da fé, para que a vossa glória aumente
por mim em Cristo Jesus, pela minha nova ida a vós" (1.25,26).
Quando pensa haver
chegado ao fim da epístola, ele escreve: "Finalmente, irmãos meus,
regozijai-vos no Senhor!" (3.1) Então, dando-se conta de que ainda tem
muito mais a dizer, volta com ênfase ao mesmo ponto: "Regozijai-vos,
sempre, no Senhor; outra vez digo: regozijai-vos" (4.4). Note que ele não
diz "de vez em quando", mas "sempre!" Ele não meramente
encoraja uma alegria constante, mas a ordena, o que é muito empolgante. E
quando recomenda aos amigos que se regozijem sempre, não está lhes pedindo para
fazer algo que ele mesmo não faça.
Duas situações onde
vemos Paulo regozijando-se são especialmente dignas de nota. Poderia-se esperar
que ambas suprimissem a alegria, em vez de produzi-la. A primeira é uma
experiência de malícia pessoal. Aprisionado, Paulo não podia andar pregando o
Evangelho de Cristo, do modo como lhe exigia a sua vocação apostólica e o seu
instinto evangelístico, e isto certamente era frustrante para ele. Não
obstante, esta nuvem apresentava um contorno prateado; um fio de esperança.
Inteirados de que Paulo achava-se encarcerado "por causa de Cristo"
(1.13), os cristãos locais viram-se estimulados a testificar em público, com
mais audácia que nunca.
Examinando os motivos
por trás das ações, como fazem os bons pastores, Paulo percebeu que
"alguns pregam a Cristo... de boa mente; uns por amor, sabendo que fui
posto para defesa do evangelho" (1.15,16). Podemos imaginá-los enviando
mensagens: "Não se atormente, Paulo, por não poder sair e pregar; nós
pregamos, você ora, e juntos fazemos avançar o evangelho". Tais mensagens
teriam sido de grande apoio e encorajamento.
Outros, no entanto,
conforme Paulo também observa, "pregam a Cristo por inveja e porfia...
anunciam a Cristo por contenção, não puramente, julgando acrescentar aflição às
minhas prisões" (1.15,17). A malícia é a motivação desses pregadores. Eles
querem fazer Paulo sentir-se desprezível e miserável. Talvez por se acharem,
publicamente, em desacordo com ele acerca de alguns pontos importantes, incitam
deliberadamente o preconceito contra ele, usurpando-lhe a liderança; ou
simplesmente porque Paulo carece de liberdade para pregar como eles. Parece
inacreditável que homens que pregavam a Cristo pudessem ter prazer em esfregar
sal nas feridas do grande apóstolo, mas tal mesquinhez ocorreu constantemente
na história da Igreja, e não é desconhecida hoje.
Note como Paulo reage.
Teria sido fácil e, em certo sentido, natural, ele cair na amargura e na
autocomiseração, como desejavam os seus rivais. Ele sabia, entretanto, o que
cada um de nós deve saber: somos livres para não adotar os sentimentos que os
outros escolhem para nós. Assim, ele recusou-se a sentir-se miserável.
"Mas que importa?", escreveu Paulo. "Contanto que Cristo seja
anunciado de toda a maneira... nisto me regozijo" (1.18).
Magnífico! Sim, e um
modelo para nós. Como reagimos quando a vileza e a malícia dão-se as mãos para
fazer misérias? Como lutamos quando nos tornamos objeto de uma vendeta, e
encontramo-nos cercados por pessoas que nos querem derrubar? Como eu, na
qualidade de autor, lido com as críticas desdenhosas de meus livros? Aprendemos
do exemplo de Paulo que, mesmo nestas ocasiões, a paz e a alegria são
possíveis. Não precisamos reagir como os outros esperam que o façamos. Em
grande medida, e bem mais do que imaginamos, podemos escolher sobre o que
pensar (veja 4.8). Se concentrarmos a nossa mente em fatos que induzem à
alegria, nos tornaremos impenetráveis àqueles que nos fariam mergulhar na
penúria, não importa quão grande seja a sua hostilidade, quão forte a sua
influência, e quão pouco possamos fazer a respeito no presente.
O segundo triunfo da
alegria na vida de Paulo, revelado em Filipenses, é ainda mais surpreendente. E
a alegria na expectação de um possível martírio. Paulo sabe que a sua prisão
pode acabar em sentença de morte. Ele vive com esta incerteza, esperando que
Deus providencie a sua soltura, mas incapaz de estar seguro disto (1.19-26).
Mesmo assim, a alegria irrompe. Ele sabe que se a sua vida for abreviada, ele
estará com o Senhor, e tudo o que acontecer será a vontade de Deus. O apóstolo
pode afirmar: "E, ainda que seja oferecido por libação sobre o sacrifício
e serviço da vossa fé" — se, noutras palavras, a minha morte acompanhar e
completar a oferta de suas vidas a Deus - "folgo e me regozijo com todos
vós" (2.27). Vivendo sob a espada de Dâmocles, ele ainda era alegre o
bastante para galhofar, como se a escolha entre a vida e a morte fosse
realmente sua, e estivesse achando difícil decidir-se! (1.21-24) No poder da
alegria, ele enfrenta a morte tão pronta e hones-tamente quanto encara a vida.
Você seria capaz? Eu seria?
Na Inglaterra e nos
Estados Unidos é pouco provável que pessoas sejam executadas por seu cristianismo
ativo, mas é moralmente certo que alguns dos que me lêem serão chamados, um
dia, a glorificar a Deus, morrendo de câncer. Que efeito tem este pensamento
sobre nós? Faz gelar-nos o coração? O câncer é bestial. Não obstante, está
claro que Paulo poderia ter enfrentado o câncer e regozijado, e se nos
apoderarmos do segredo da sua alegria, também poderemos.